cheiro de avó

e cá estou eu.

pensando um monte de coisas quando deveria estar pensando em um título pro anúncio de carros usados de um cliente.

entre essas coisas eu lembrei da minha avó.

vovó dezinha.

é, ela era tão fofinha quanto o nome.

e sim, ela já morreu.

eu a amava do fundo do coração. afinal de contas, ela era daquelas avós que todo mundo amava. até os netos das outras avós.

eu tenho uma visão muito particular da dona morte.

inevitável.

igual a lamber a tampa de alumínio do iogurte.

e acho que foi por isso que eu, por mais incrível que possa parecer, não fiquei triste quando ela morreu.

chorei, é claro.

mas chorei de saudade. e não de tristeza, porque eu sabia que ela era feliz. bastava olhar naqueles olhinhos pequenos para ver que ela era muito feliz.

sabe aquela pessoa que você olha e muda seu humor?

ela era assim.

e não era aquela felicidade que se sente quando o time ganha do rival, ou quando se acha uma nota de 50 no bolso da calça.

era felicidade de ter vivido. e bem.

e é por isso que eu não fiquei triste quando ela cansou daqui e partiu.

zpesar de às vezes ainda chorar de saudade.

principalmente quando eu  lembro do abraço e do beijo na cabeça.
ou da risada aguda e contagiante.
quem sabe é por causa dos carinhos no meu cabelo quando eu deitava no colo dela?

mas nada se compara a lembrança do cheiro dela.

vheiro de vó.

da minha vovó dezinha.

carona com chimbinha e dona ivone lara

cena:
ônibus lotado, sete e meia da noite, som ambiente da banda calypso (vai chimbinha, vai!).

de repente, o motorista mete o pé no freio. com aquela vontade que só algumas pessoas têm.

lá estou eu, tentando me equilibrar quando olho para o lado e vejo dona ivone lara vindo pra cima de mim.

olho para os lados na esperança de achar uma saída. mas não tinha nenhuma.
ou dona ivone em cima de mim, ou a cabeça no chão do coletivo.

respirei fundo e pensei: “meu playstation para andré, minha maleta de poker para léo, minhas dívidas para meu chefe.”

abri as pernas para ter mais equilíbrio e segurei com força para tentar resistir ao impacto.

pobre de mim.

dona ivone veio desgovernada, atropelando tudo pelo meio do caminho. mais ou menos como aquele ônibus pilotado por sandra bullock.

impacto. dor. oxigênio expelido abruptamento dos pulmões.

abro os olhos e a primeira coisa que eu vejo é um sovaco suado no meu rosto.

dona ivone me derrubou e ainda ficou por cima. além de tudo nem pude exercer meu papel de macho alfa.

ela levanta. ou melhor, é levantada.

eu tento me erguer, mas a visão do sovaco está viva demais na minha cabeça. e nas minhas narinas.

consigo ficar de pé. tudo dói. principalmente as narinas.

a guitarra maldita de chimbinha continua gemendo. igual a mim.

o motorista se vira e fala: “desculpa aí galera!”

o ônibus segue, assim como a guitarra e o cheiro inesquecível do sovaco de dona ivone lara.