à tarde, como de praxe, o botequim encontrava-se vazio.
alaôr, seu ala para os íntimos, proprietário, garçom, caixa, cozinheiro e confidente estava olhando para a TV, tentando captar alguma coisa entre os chuviscos da 14 polegadas.
quando os três ponteiros do relógio de parede estavam todos no 3 – o dos segundos, quebrado, nunca saia de lá – eles entraram.
inimigos mortais, não se falavam desde a infância. maior que o ódio que sentiam um pelo outro, apenas a curiosidade que o encontro diário para um café causava nos funcionários do botequim, seu ala e a TV.
a tensão pairava no ambiente, junto com o escape dos ônibus que saiam de cinco em cinco minutos do terminal logo em frente.
o bule, com duas xícaras, já os esperava no local de sempre.
sentavam-se ali todas as tardes e ficavam horas em silêncio. um servia café ao outro, mesmo correndo perigo. desconfiavam de uma dose fatal de veneno.
seu ala desconfiava de uma futura úlcera, devido ao café.
quando o bule secava, eles levantavam, pagavam e saiam lado a lado, com medo de uma punhalada pelas costas. e assim eles seguiam a rotina, regando o ódio com cafeína.
até que um dia, ao darem o primeiro gole no café, se entreolharam com ódio e surpresa nos olhos, caindo no chão do botequim logo em seguida.
mortos.
no enterro só estavam presentes seu ala, o coveiro e o bule, que fora colocado em cima dos caixões, em uma homenagem irônica.
uma semana depois, na tranqüilidade de uma tarde sem tensões, mas ainda com a fumaça dos escapes, seu ala decide tomar uma cafezinho.
seu último pensamento antes de cair morto no chão do botequim foi:
– como eu pude esquecer de lavar as xícaras?!