conheci outra

– preciso desabafar: conheci outra pessoa.

foi assim que pedro iniciou a conversa mais difícil de sua vida.

já fazia um tempo que ele sabia que esse momento chegaria. afinal de contas, as coisas já não era as mesmas.

o amor tem disso, pensava ele. você acha que nunca vai sentir uma coisa tão intensa e verdadeira por outra pessoa, mas quando você menos espera, na fila para pagar o estacionamento, conhece alguém e quando vê, já foi.

pedro tinha vontade dizer a esposa que ela adoraria vera. esse era o nome dela. vera.
apesar de ter certeza que ela entenderia essa necessidade de pedro de seguir a vida, ele não queria criar uma situação desconfortável. daria tempo ao tempo.

vera era uma mulher incrível. atenciosa e divertida, fazia pedro sentir o sangue batendo com vontade novamente. há quanto tempo pedro não tinha vontade de terminar um sorvete, de ver uma comédia romântica no cinema ou disposição para voltar a caminhar na praia?

parecia que sua vida tinha entrado em stand by.

mas quando colocou os olhos sobre aquela ruiva de 1,80m ao seu lado na fila, sentiu o mundo se movendo novamente.

já fazia meses que pedro e vera saiam escondidos. apesar de não concordar, vera respeitava a decisão do seu amado. afinal de contas, ele era casado há 15 anos. por isso, vera foi paciente e nunca deixou de estar ao seu lado.

quando ele contou que ia esclarecer a situação com a esposa, vera deu todo o apoio e até perguntou se ele queria que ela fosse junto. pedro agradeceu mas disse que isso era uma coisa entre ele e a esposa.

o dia estava lindo.

apesar do nó na garganta, pedro estava firme em sua resolução.

caminhava decidido, de cabeça erguida.

depois da conversa, com lágrimas nos olhos, pedro se ajoelhou, beijou a lápide da sua esposa, e falou, entre soluços:

– eu te amo, ana. você sempre vai ser a mulher da minha vida.

ódio

Ele odiava ela.

Não existe uma maneira mais suave, mais educada de dizer isso.

Olhar para ela era um martírio. Era só cruzar com ela que sentia o sangue subindo pelo pescoço, se alojando em cada centímetro do seu rosto, como água fervendo.

Eles trabalhavam na mesma empresa e, apesar dos inúmeros requerimentos, e-mails, ofícios, ligações e tentativas de suborno, ele não conseguia mudar de lugar. Se demitir estava fora de cogitação, pois ele adorava o trabalho.

Ouvir a voz dela era como se agulhas de acupuntura estivessem sendo alojadas em seu cérebro por um babuíno embriagado. Não suportava seu tom de voz e a maneira como ela contava a todos como seu fim de semana havia sido divertido.

Odiava os apelidos que ela colocava em seu marido, as coisas que faziam juntos, as fotos em todas as redes sociais declamando um amor infinito.

Quando esse sentimento arrebatador começou, ele não sabia de onde tinha vindo. Por muitos meses, se torturou, dividido. Afinal de contas, por que odiar uma pessoa desse jeito? Não havia motivo!

Ele seguia nessa gangorra: odiava ela e se odiava por odiar sem motivo.

Até que um dia, depois de ir ao banheiro molhar o rosto para se acalmar depois de ouvir como a pizza do domingo tinha sido a melhor coisa do mundo, ele se deu conta.

Sabe aquelas cenas de filme quando o mocinho levanta o rosto e se olha no espelho com o rosto ainda molhado e com cara de espanto? Foi exatamente isso que aconteceu.

Mais uma vez ele sentiu o sangue correndo até seu rosto, mas agora foi de vergonha.

Ele a odiava porque ela era ela mesma. Simples assim.

Não se limitava por padrões impostos pela sociedade, não se preocupava com as opiniões alheias mais do que o necessário, era genuinamente feliz, não forçava a amizade, não tentava fazer parte de nenhum grupo ao qual não pertencia.

Ele a odiava porque ela era o contrário dele, que sempre tentava seguir a última moda para homens do seu perfil, puxava o saco do chefe para fazer parte do grupo íntimo, forçava um sorriso que tentava ser cordial mas que na verdade era insípido, incolor e inodoro.

Voltou para sua mesa transtornado de tal maneira que até ela percebeu. Olhou curiosa e deu um sorriso que ele nunca viu num espelho antes. Um sorriso cheio de calor, de vida, de gosto.

Um sorriso sincero.

Amar é simples

O amor é mais simples do que parece.

Essa foi a primeira frase que o professor de Dramaturgia 1 escreveu no quadro negro, que na verdade era branco.

Elisa se remexeu na cadeira que machucava suas costas e levantou a mão:

– Como assim é mais simples do que parece? O amor é super-complicado! Tem brigas, ciúmes, traição. Não tem nada de simples nisso.

O professor afastou uma mecha rebelde da testa, sorriu compreensivamente e falou a frase que mudaria a vida de Elisa para sempre:

Amar é uma troca. De amor, paixão e liberdade. Se você não ama quem é livre, como vai poder ser livre para amar?

Elisa acordou com o som do isqueiro. Olhou para o lado e viu Amanda com seu cigarro mentolado pendurado displicentemente nos lábios finos e pálidos.

Sorriu e a beijou no pescoço.

Passou os dedos pela tatuagem que ocupava todo o antebraço e disse uma frase que Amanda nunca mais esqueceria:

Eu te amo, Manda. Mais do que eu gostaria. Menos do que você merece.

Amanda abriu os olhos. Estava no trem, a caminho do trabalho. Ao seu lado, um desconhecido chorava calado, o pior de todos os choros.

Amanda pegou seu post-it, escreveu nele e prendeu na parede, em frente ao homem. O que tinha escrito ali, ele nunca esqueceu:

Tudo vai ficar bem, porque quem chora sem vergonha, vive sem tristeza.

André abriu os olhos. Estava no banho há tanto tempo que seus dedos estavam enrugados. Lembrou da briga colossal que tivera com sua esposa. Tremeu. Lembrou do post-it da senhora no metrô. Sorriu.

Quando saiu do banheiro, nem sinal da sua esposa. A última vez que a viu, ela estava chorando. Apesar disso, ele estava sorrindo quando deixou um bilhete que mudou para sempre a vida dela:

Amar é uma troca. De amor, paixão e liberdade. Se você não ama quem é livre, como vai poder ser livre para amar? Eu te amo, Clara. Mais do que eu gostaria. Menos do que você merece. Tudo vai ficar bem, porque quem chora sem vergonha, vive sem tristeza.