Ele odiava ela.
Não existe uma maneira mais suave, mais educada de dizer isso.
Olhar para ela era um martírio. Era só cruzar com ela que sentia o sangue subindo pelo pescoço, se alojando em cada centímetro do seu rosto, como água fervendo.
Eles trabalhavam na mesma empresa e, apesar dos inúmeros requerimentos, e-mails, ofícios, ligações e tentativas de suborno, ele não conseguia mudar de lugar. Se demitir estava fora de cogitação, pois ele adorava o trabalho.
Ouvir a voz dela era como se agulhas de acupuntura estivessem sendo alojadas em seu cérebro por um babuíno embriagado. Não suportava seu tom de voz e a maneira como ela contava a todos como seu fim de semana havia sido divertido.
Odiava os apelidos que ela colocava em seu marido, as coisas que faziam juntos, as fotos em todas as redes sociais declamando um amor infinito.
Quando esse sentimento arrebatador começou, ele não sabia de onde tinha vindo. Por muitos meses, se torturou, dividido. Afinal de contas, por que odiar uma pessoa desse jeito? Não havia motivo!
Ele seguia nessa gangorra: odiava ela e se odiava por odiar sem motivo.
Até que um dia, depois de ir ao banheiro molhar o rosto para se acalmar depois de ouvir como a pizza do domingo tinha sido a melhor coisa do mundo, ele se deu conta.
Sabe aquelas cenas de filme quando o mocinho levanta o rosto e se olha no espelho com o rosto ainda molhado e com cara de espanto? Foi exatamente isso que aconteceu.
Mais uma vez ele sentiu o sangue correndo até seu rosto, mas agora foi de vergonha.
Ele a odiava porque ela era ela mesma. Simples assim.
Não se limitava por padrões impostos pela sociedade, não se preocupava com as opiniões alheias mais do que o necessário, era genuinamente feliz, não forçava a amizade, não tentava fazer parte de nenhum grupo ao qual não pertencia.
Ele a odiava porque ela era o contrário dele, que sempre tentava seguir a última moda para homens do seu perfil, puxava o saco do chefe para fazer parte do grupo íntimo, forçava um sorriso que tentava ser cordial mas que na verdade era insípido, incolor e inodoro.
Voltou para sua mesa transtornado de tal maneira que até ela percebeu. Olhou curiosa e deu um sorriso que ele nunca viu num espelho antes. Um sorriso cheio de calor, de vida, de gosto.
Um sorriso sincero.