o adeus

estava tudo escuro.

mas não como fica quando apagamos as luzes da sala no final da noite.

era uma escuridão completa, que afetava não só a capacidade de enxergar, mas também brincava com a sanidade de quem estava imerso nela.

tudo que ana e bruno conseguiam sentir eram suas respirações curtas e aceleradas, ambos tentando não ceder ao pânico que se aproximava a cada segundo.

eles se tocavam, sentiam a pele um do outro, numa tentativa de trazer uma falsa sensação de tranquilidade para um momento desesperador.

tentavam conversar, mais para desviar a atenção dos próprios pensamentos do que qualquer outra coisa.

  • ana…eu não sei o que fazer. não sei se posso aguentar mais.
  • calma, meu amor. vai dar tudo certo, eu prometo.

mas ana sabia que não ia dar tudo certo. ela sentia em cada fibra dos seus músculos retesados de tensão. sentia em seus pelos arrepiados da nuca. sentia em sua alma.

eles voltaram a gritar, desamparados, numa fútil tentativa de receber ajuda.

  • socorro! tem alguém ouvindo? estamos presos!
  • por favor, ajudem a gente! socorro!

a única coisa que eles recebiam em resposta era o silêncio, tão devastador quanto a escuridão.

num sobressalto, ana levanta e começa a tatear as paredes. bruno pergunta o que ela está fazendo, mas ana está muito focada para responder.

“tem que ter um jeito de sair daqui, preciso encontrar a porta!”, ela pensa.

“por favor…tem que ter…um jeito.”

apesar de seus esforços, tudo que ana sente são as pedras úmidas da parede do porão onde eles estão presos.

seu pé bate em alguma coisa.

bruno se assusta com o barulho que chega aos seus ouvidos como bombas caindo na trincheira que ele está escondido.

  • o que foi isso?!
  • não sei, mas é bem pesado.

ana se ajoelha e começa a tatear ao redor do objeto. ela sente um líquido pegajoso dentro dele e algo peludo. gordo. assustador.

ela grita e se afasta rapidamente. bruno se desespera.

  • ahhh!
  • o que foi?! ana?! ANA?!
  • acho…acho que tem alguma coisa morta ali…e sangue. parece sangue!

ana volta para perto de bruno e se abriga. ele respira e a beija na cabeça.

no momento que os lábios dele encostam nos cabelos de ana, ambos aceitam seu destino.

  • ai, bruno…acho que…acho que não vamos conseguir sair daqui.

ele sente as lágrimas dela pingando em seu braço. normalmente, ele tentaria conter as suas, mas ele não via mais motivo para isso e se entregou ao momento, desatando o nó que estava preso em sua garganta há horas.

  • eu te amo, ana. eu sempre vou te amar.
  • bruno…eu…te…amo…

ana soluçava entre as palavras, não conseguindo conter o desespero.

eles sabiam que eram suas últimas palavras um para o outro.

ana abraçou bruno com força, como se a intensidade do seu abraço pudesse congelar o tempo.

bruno sentiu sua costela se comprimindo, mas não se importou. era a última coisa que sentiria e estava feliz que fosse isso.

  • adeus, meu amor. a gente se vê no paraíso.
  • obrigado por ter sido tão incrível. eu te amo pra sempre.

eles se abraçaram deitados, ignorando o chão asqueroso do porão.

as lágrimas corriam decididas por seus rostos, fazendo pequenos barulhos quando tocavam o solo.

de repente, escutam uma gritaria como se uma multidão estivesse comemorando o gol da sua seleção de futebol.

menos de um segundo depois, as luzes do porão acendem e os sons dos eletrodomésticos ligando chegam como trombetas dos anjos celestiais anunciando um milagre.

ana e bruno se levantam e olham ao redor.
se abraçam, envergonhados, sem acreditar que fizeram esse drama todo por causa de uma falta de energia.

ana vai até o objeto que sentira antes e se lembra que tinha deixado um casaco de pele de molho no porão, ao lado da máquina de lavar.

eles se olham. sorriem constrangidos.

  • quer sair pra comer alguma coisa?
  • vamos no shopping, a gente precisa comprar umas lanternas e pilhas.
  • é…

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